Via Sacra: Descobrir nas feridas do mundo a face luminosa de Cristo

Via Sacra: Descobrir nas feridas do mundo a face luminosa de Cristo

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Entrevista com Dom Giancarlo Bregantini, autor das meditações da Via Sacra, que será presidida pelo Papa Francisco no Coliseu

É um “sacerdote de rua”, como gosta o Papa Francisco, nunca debruçado sobre a escrivaninha, mas sempre sobre o sofrimento dos outros e da diocese. Foi escolhido pelo próprio Papa Francisco para escrever as meditações da Via Sacra da Sexta-Feira Santa no Coliseu. Trata-se de Dom Giancarlo Bregantini, Arcebispo de Campobasso – Boiano, Itália. Presidente da Comissão para os problemas sociais e de trabalho, justiça e paz da Conferência Episcopal Italiana (CEI), há 14 anos à frente da Diocese de Locri, na Calábria. No sul da Itália, o prelado entrou em contato com a realidade da pobreza e do crime organizado, contra o qual ele luta com o corpo e a alma. Ele entrou para a história com o seu livro de orações ” A oração desafia a máfia”. Os 14 anos de pastoral são revividos agora nos textos das 14 Estações da Via Sacra, publicação da Libreria Editrice Vaticana. Nos textos, o arcebispo coloca o dedo nas feridas do mundo atual através de uma espiritualidade radical e dolorosa, que toca a crise, o desemprego, a mortalidade infantil, a corrupção, a violência contra a mulher, e os sofrimentos de Cristo no caminho para o Gólgota. Sobre tudo isso ZENIT conversou com Bregantini, na seguinte entrevista:

A visita do Papa a Campobasso e Isernia em 5 de julho e a escolha do senhor como autor das meditações da Via Sacra. Uma dupla atenção do Pontífice para com a Igreja da região. Como o senhor vive isso?

Dom Bregantini: Ainda não sei por que o Papa escolheu-me para escrever as meditações da Via Sacra. Mas posso dizer que estou profundamente grato, porque através das estações, eu revivi muitos momentos da minha vida, tanto durante os anos na Calabria, em fábricas e prisões, como em Locri, com o desafio da máfia, e agora em Molise, uma região da periferia. Todas essas experiências que Deus me permitiu viver voltaram para a superfície como uma memória positiva de bênção, memorial de graça e de alegria, mas também de coragem diante das provações da vida.

Sua diocese já começou a trabalhar para receber o Papa?

Dom Bregantini: Sim! Eu vim para Roma apenas para organizar a recepção do Santo Padre. Traçamos um roteiro muito interessante para a visita, junto com o bispo de Isernia e a Casa Pontifícia. Vamos destacar quatro pontos em particular: o mundo rural, o serviço para os pobres, a prisão e os doentes.

Falando sobre as meditações, o tema é “Rosto de Cristo, rosto do homem”. O rosto do homem que emerge de suas reflexões é aquele dos desempregados, vítimas da corrupção, da usura. Assim como o rosto dos imigrantes, das mulheres que sofrem violência, crianças que sofreram abusos, dos doentes. Como o senhor encontrou o rosto de Deus em tudo isso?

Dom Bregantini: Por que se unem dois verbos: o rosto de Cristo ilumina todos os sofrimentos do homem. E o rosto do homem encarna a luz de Jesus. Como dizem os Padres da Igreja, “não poderia haver redenção sem um Jesus que se fez homem para que o homem se tornasse Deus”. Então, o rosto de Cristo é luz, enquanto o do homem é a história, profecia realizada. A beleza da Via Sacra é o fato de que Jesus passou por todos os sofrimentos do homem. Isso toca muito os jovens que não vêem nisso um livro, uma aula, mas um rosto manchado de sangue que reflete o próprio rosto marcado, talvez pelo medo do desemprego, do crime, da violência e do sofrimento que caracterizam o mundo atual. Esta é a força avassaladora que tem a Via Sacra.

Amplo espaço é dedicado às realidades sociais do sul da Itália, tais como as crianças mortas por câncer causado ​​por resíduos tóxicos e as condições dos detentos nas prisões. Mas, acima de tudo, o fio condutor é a máfia, um tema para o senhor muito “caro”, recordando o forte empenho pastoral contra a Ndrangheta em Locri. Nesse caso, ainda falamos de meditação ou de verdadeira denúncia?

Dom Bregantini: O tema da máfia aparece muitas vezes na meditação, mesmo que, na realidade, mencionado apenas indiretamente. Falo como o mal que está na base da corrupção e de outros crimes, como uma força negativa na sociedade, como uma acusação contra a poluição, o pesado fardo da crise econômica, os suicídios de agricultores, infelizmente, matéria trágica de todos os dias…

Sobre a Máfia, gostaria de saber a opinião do senhor sobre as recentes diretivas da Conferência Episcopal da Calábria para os seminários, que afirmam que os seminaristas devem estudar a ‘Ndrangheta, de acordo com as instruções do papa Francisco sobre a “coragem de denunciar” e “fuga de qualquer conivência”.

Dom Bregantini: Estou muito feliz! Eu vejo se realizar muitas coisas que tenho escrito, muitas escolhas que tomamos junto com outros bispos, nestes 14 anos, na experiência de todos os dias. Estou feliz com esta decisão porque o futuro sacerdote, desde a sua formação, será capaz de se preparar, de ler os fatos, para não viver de “conversa de bar” e não apenas repetir as coisas comuns na homilia. Estudando e aprendendo sobre estes dramas, o padre não vai ter medo, mas será capaz de criar e dar uma cara nova a uma Igreja profética.

De todos os males sociais listados qual é, em sua opinião, o pior, o que deve urgentemente ser curado?

Dom Bregantini: Certamente o desemprego, a crise que leva à precariedade e que contamina a maioria das novas gerações. Os jovens são obrigados a enfrentar mil problemas diariamente por causas que não dependem deles. E isso, na minha opinião, é o mal mais grave atualmente.

Em suas meditações não há apenas sofrimento, mas também muita esperança…

Dom Bregantini: É verdade. A mensagem de esperança é dada por quatro figuras maravilhosas que devolvem “o sorriso” à Via Cruz. Primeiro o do Cirineu que carrega a cruz com Jesus e que eu imaginei todo o mundo do voluntariado, das relações de solidariedade. Depois, a doçura gratuita de Veronica que representa tudo o que se faz não para ter, mas para dar. Aqui, um aceno indireto ao tema do domingo que deve ser sagradamente respeitado, e que eu gostaria de ter desenvolvido mais explicitamente. Terceiro elemento, muito belo, são as mulheres de Jerusalém, ao qual dediquei mais espaço do que todos os outros…

Como assim?

Dom Bregantini: Por que é uma questão de grande relevância. Basta pensar no ‘femicídio’! Eu quis restaurar a imagem da mulher como sujeito, não como um objeto. Sujeito de esperança, por isso, como uma questão muito delicada, que Jesus pede compaixão, e não pena. A diferença é enorme: a compaixão amadurece a pessoa, enquanto a pena esmaga. Cristo sofre e quer as mulheres próximas a Ele neste sofrimento; no entanto, quer sofrer com dignidade. É importante para entender que as situações não são resolvidas assim: “olha aquele pobrezinho, o que aconteceu com ele”, mas através da força que está enraizada na dor do outro, que se torna própria e resgata.

Qual é o quarto elemento das meditações?

Dom Bregantini: É o abraço entre Maria e Jesus, retratado de uma forma sublime na Pietà de Michelangelo. O momento em que a Virgem abraça o seu Filho morto, ao qual eu associei toda a doçura e a beleza de uma mãe que nunca esqueceu seu filho no céu. Eu pensei em todas as mães que perderam seus filhos em um acidente ou por um delito da máfia, mas sentem que este filho não está perdido, se ele é amado, porque o amor – diz o Cântico dos Cânticos – é mais forte do que a morte.

O que o senhor espera despertar nas pessoas com as suas meditações?

Dom Bregantini: Eu dei o meu coração e tudo o que ele viveu. Portanto, espero que aqueles que lêem as meditações não se sintam esmagados sob o peso da cruz, mas que essa mesma cruz, como resgatou o meu coração, possa resgatar o coração de todos.

O que o Papa disse sobre tudo isso?

Dom Bregantini: Nada, eu ainda tenho que encontra-lo. Espero que esteja feliz …

Da Agência Zenit

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