Produtor musical coloca estúdio na bagagem e faz experiência concreta com o Evangelho

Produtor musical coloca estúdio na bagagem e faz experiência concreta com o Evangelho

Carlos-Candelária

Há exatamente um ano, quando comecei o voluntariado na ONG do Movimento dos Focolares em SP, a Afago, me dei conta de um dos mais prazerosos sentimentos que Chiara Lubich e suas companheiras devem ter experimento depois de entender a força que o evangelho vivo tem ao amar Jesus abandonado de forma intensa: uma alegria plena que é o resultado da unidade que se cria com Deus e aqueles que vivem sua palavra no limite extremo. Quando se vive essa unidade plena com Deus, é impossível não querer viver novamente e essas oportunidades apareceram ao longo desse ano de forma muito clara.

Conheci o Padre Renato (Casa do Menor) e suas aventuras no lançamento do livro “Presença no Inferno”, na Bienal do Livro, em SP. Com um sorriso no rosto e uma graça incrível, recebi um convite dele para passar alguns dias na Casa do Menor em Nova Iguaçu (RJ). Ao comprar minha passagem eu não tinha ideia alguma do que Deus havia preparado. Bem… um livro com um nome desses não omite nada: era a vivência pura de cada passagem do evangelho em unidade. Entusiasmado pela Letícia Carneiro, uma gen do RJ que faz um trabalho incrível no abrigo, coloquei meu estúdio de produção musical na bagagem e parti.

Ao chegar no domingo me encontrei com a comunidade na reunião da Palavra de Vida que dizia: “Acolhei-vos uns aos outros, na medida em que também Cristo vos acolheu, para glória de Deus” (Rm 15, 7). Esse foi o convite para participarmos mais tarde com os Jovens por um Mundo Unido e os Franciscanos da Toca de Assis da distribuição de sopa com os moradores de rua no centro do RJ.

Depois de um tempo conversando com um deles, eu e a Stephane Fioravante percebemos que poderíamos ajudá-los mais concretamente e junto a outros gen, depois do momento de oração, decidimos realizar um pedido que ele nos fazia: voltar para o Espírito Santo para ter sua vida de volta, já que não tinha achado emprego no RJ e acabou se tornando um mendigo.

Tudo ficou ainda mais claro quando ele nos contou sobre a forte presença de Jesus durante esse tempo, principalmente à noite quando dormir se tornou o maior perigo de sua vida, pois poderia ser roubado ou morto a qualquer instante. Sem pensar em mais nada, juntamos o valor da passagem e fomos até a rodoviária ter a certeza de que o Sr. Carlos chegaria ao seu destino, depois de um banho digno e roupas novas, que foram o nosso presente de despedida.

O sorriso incontestavelmente era de Jesus que havia deixado de ser abandonado e que se transformou como num milagre em alegria e lágrimas. Logo no primeiro dia ficou muito claro pra mim o quanto as palavras do evangelho na palavra de vida se fizeram reais e o quanto essa acolhida despretensiosa podem transformar realidades desgraçadas em momentos de paraíso.

No segundo dia fui logo cedo para a Casa do Menor viver um dia de doação total com a comunidade do abrigo. Chegando na casa onde vivem os bebês em situação de risco, maus tratos, abandono e abuso sexual, entendi uma frase que a Letícia me escreveu: “sentia que era Jesus Menino, Jesus disfarçado no meu colo, e me emocionei muito ao pensar no que teria sentido Maria com Jesus nos braços tantas vezes”.

Ver aquelas crianças recebendo carinho, especialmente dos voluntários vindos de todas as partes do mundo em missão, me fez crer que por mais que tivessem sofrido maus tratos, ali eu poderia ser o primeiro contato com um Deus vivo e presente na vida delas. Eu me senti responsável pelo crime que havia sido cometido a elas por tantas vezes ignorá-las em faróis, pedidos de esmolas e omissão por minha parte, e me senti na obrigação de ser somente amor. Isso incluiu deixar as crianças fazer penteados diversos no meu cabelo, cantar, brincar, contar histórias, dar almoço e muito mais.

Quando mais tarde tive contato com os adolescentes de um outro abrigo da Casa do Menor, mesmo sabendo que eram ex-usuários de drogas e criminosos, sabia que tinha chegado o ponto máximo daquela missão: usar uma oficina de HipHop para conhecer suas histórias e deixar Deus tocá-los com rimas que falavam de esperança, sonho e transformações.

Ao nos reunirmos deixei que contassem suas experiências e sonhos sem filtro ou nenhuma vergonha, como se nos conhecêssemos há anos. Isso foi importante porque não eu estava lá pra julgá-los pelo que me contavam, mas para me fazer ‘um’ com eles.

Algumas histórias envolviam droga, crime, abuso e alguns sonhos incluíam voltar a essa realidade e até ser dono na boca de fumo. Assim, pedi que colocassem na lousa alguma palavras que identificassem suas realidades, seus passados e também suas perspectivas.

A partir dali surgiram através deles mesmos as rimas para a música que construímos mais tarde. Rimas de adolescentes que sequer acreditavam que eram alguém ou que pudessem ser ouvidas. Histórias de mortos/vivos, segundo eles mesmos. Mensagens de paz que eles não acreditavam mais. Juntamos batidas, ritmos, sons e rap pra mostrar uma nova visão, para fazê-los acreditar que existe vida após o crime e que existe o perdão após o pecado, um mundo unido.

Voltei para casa e o sentimento era como Chiara mesmo sempre deixou muito claro: uma pequena luz que se acendia a cada gesto, mas que dava uma grande luz à escuridão.

No último dia voltamos a nos encontrar com os adolescentes após a oração com o Padre Renato. Todos os dias, às 8h, voluntários, alunos, abrigados e funcionários se encontram para fazer essa oração.

Ver tantos homens novos em oração logo cedo só intensificou ainda mais a vontade de viver radicalmente o Ideal da Unidade, pois se a nossa música ficou pronta, foi porque Ele permitiu, afinal, se aqueles garotos pensavam que ninguém dava a mínima pra eles, poderiam nem ter me acolhido no dia anterior. Porém Deus escreve certo por linhas tortas e não havia nada mais feliz do que ser recebido com abraços para finalmente terminar aquele som.

Nós nos juntamos novamente e de acordo com as ideias de cada um, finalizamos a música que simbolizou a esperança daquele grupo. Entre o dia anterior e aquele momento, eles escreveram outras tantas canções, outras rimas e versos cheios de amor e reconhecimento desse mundo em que somente amar é sempre o início de uma nova vida.

Peço de coração a todos vocês nunca, jamais deixem de olhar por esses esquecidos do nosso tempo devido a essa pressa nervosa que nos assola, que vivem ao nosso lado, muitas vezes nas portas de nossas casas. Peço em oração que abram seus olhos para a vontade de Deus para cada momento, sempre a serviço daqueles que pouco ou nada tem.

Agradeço a todos que estão comigo nessa caminhada que entendi ser a minha vocação e alimentam essa unidade a cada dia, compartilhando mensagens, experiências e sorrisos. Amem com radicalidade esse Jesus abandonado que é o tesouro do qual Ele nunca nos deixa esquecer.

Por Rafael Volpe, jovem de 24 anos, produtor musical e DJ, formado em Radialismo, Composição e Piano Popular, que mora em Santo André (SP) e que ministra todas as quartas-feiras de forma voluntária oficinas de música e produção audiovisual para crianças, adolescentes e jovens da Afago, ONG criada pelo Movimento dos Focolares em 1978 a partir de um pedido de Chiara Lubich, que é acompanhada até hoje na Zona Sul de SP.

 Extraído de Focolares

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Email