4º Domingo da Quaresma

4º Domingo da Quaresma

cego

1Sm 16, 1b.6-7.10-13a; Sl 22(23); Ef 5, 8-14; Jo 9, 1-41

Meus irmãos,

hoje celebramos o chamado “Domingo Laetare”, também chamado “Domingo da Alegria”. Trata-se de um Domingo festivo que interrompe a austeridade da Quaresma, a fim de assinalar que as alegrias da Páscoa se aproximam. Este Domingo coincide com a antiga “festa das rosas” na Itália e, por isso, a liturgia propõe paramentos róseos.

As leituras do Evangelho proclamadas nos dois primeiros Domingos da Quaresma nos recordaram as tentações de Jesus no deserto, no limite de Sua humanidade, a ser tentado pelo demonio, mas o venceu, preludio de sua vitória sobre a cruz e sobre a morte (I Domingo); e a Sua Transfiguração, através da qual Ele, Jesus, manifestou a glória que tem com o Pai dos Céus desde toda a eternidade, a glória que se manifestará na Sua Páscoa, na Sua ressurreição, e glória da qual participaremos (II Domingo). Os três Domingos seguintes são dedicados ao tema do Batismo, pois, segundo uma antiquissima tradição da Igreja, na Quaresma eram preparados aqueles que iriam receber o Batismo na Páscoa. Semana passada, ouvimos o “Evangelho da Samaritana” quando Jesus se apresenta como o Messias, oferece a “água viva” e inicia ao Pai o culto “em Espirito e verdade” (III Domingo). Hoje ouvimos o “Evangelho do Cego de nascença”, no qual Jesus se apresenta como a “luz do mundo”, a luz da fé (IV Domingo), como se proclamará na Vigília Pascal, no Sábado Santo: “Eis a luz de Cristo!”. E semana que vem, ouviremos o relato da “Ressurreição de Lázaro”, o contraste entre morte e vida, e a vida nova em Cristo ressuscitado (V Domingo).

O Batismo está intimamente relacionado com a Páscoa de Jesus, pois através dele participamos da salvação oferecida por Jesus Cristo, nosso Salvador. É como disse S. Paulo, na Carta aos Romanos: “Irmãos, será que ignorais que todos nós, batizados em Jesus Cristo, é na sua morte que fomos batizados? Pelo batismo na sua morte, fomos sepultados com Ele, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também nós devemos uma vida nova” (Rm 6, 3-4). A Páscoa de Jesus é a Páscoa dos Cristãos, e é no dia do nosso Batismo que nós participamos especialmente da morte de Jesus, ao sermos sepultados com Ele, para que vivamos uma vida nova, como diz S. Paulo. No Batismo recebemos o perdão dos pecados para vivermos uma vida nova. Deus nos dá, sim, o perdão dos pecados, como expressão do seu amor por nós, mas Ele espera a nossa correspondência. Isto significa que, perdoados de nossos pecados vivamos uma vida nova sem pecados. Deus espera a nossa correspondência, Deus espera o nosso amor, Deus espera, no dizer de S. Paulo, uma vida nova. E a Quaresma, além de intensificar a preparação daqueles que serão batizados na Páscoa, nos ajuda a refletir como viver melhor o Batismo já recebido, e nos prepara para aprofundar e renovar as promessas batismais, na Vigilia Pascal, no Sábado Santo.

Na primeira leitura ouvimos a eleição e unção de Davi, filho de Jessé, para rei de Israel. A realeza do Povo de Israel não é fruto de conquista, mas da eleição divina. Esta leitura nos ajuda a compreender a unção de Jesus, o Cristo, o novo Davi, o Messias, o ungido de Deus para a nossa salvação. Esta leitura também nos ajuda a compreender o nosso Batismo, através do qual participamos da unção de Jesus, nos tornamos filhos de Deus, nos tornamos membros da Igreja, e nos é oferecida a vida eterna. É notável que Davi não fosse o primogênito de sua familia e, mesmo assim, Deus o escolheu para ser o rei de Israel. Este fato assinala a liberdade e a iniciativa de Deus ao conduzir a história de Seu Povo.

Na mesma leitura, ouvimos que Deus não olha a aparência, mas o coração (v. 7). Enquanto os irmãos de Davi estavam ‘cegos’ de preconceito, afinal Davi era o último de oito filhos, baixo de estatura, e não estava presente quando o profeta Samuel chegou, Deus manifestou a Sua eleição e que, assim, conduz a nossa história. A eleição do Povo de Israel se deu da mesma forma: Deus não escolheu um povo sábio ou poderoso, mas o menor dentre os povos da terra (cf. Dt 7, 7-8). Jesus terá o mesmo comportamento, ao chamar os pobres e pecadores para serem os primeiros convidados do Reino de Deus.

Em seguida a 1ª. leitura, recitamos um Salmo muito querido do Povo de Deus, o Salmo 23(22), o Salmo do Bom Pastor, que é um tema caro do Antigo Testamento (cf. Ez 34, 1ss; Jr 23, 1-3). Através deste Salmo, pedimos a proteção de Deus, o Bom Pastor. Jesus Cristo, tantas vezes, ao tratar de Sua missão, se a apresentava como o Bom Pastor (Jo 10, 1-21; cf. Mt 9, 36=Mc14, 27; Mt 25, 32; Mt 26, 32), e os escritos do Novo Testamento assim O reconhecem (cf. Hb 13, 20; 1Pd 2, 25; 5, 4). Pedimos a proteção a Jesus, o Bom Pastor, que nos conduza no Seu caminho de vida, que traçou na nossa história, na construção de Seu Reino de paz, que terá na eternidade a sua consumação.

O Evangelho da Missa de hoje nos mostra a cura que Jesus operou num cego de nascença que vivia de esmolas. O Messias prometido, o Ungido do Espírito, o Servo do Senhor, haveria de abrir os olhos dos cegos (cf. Is 42, 6; 49, 6; Is 61, 1ss=Lc 4, 18-19). Este milagre foi, portanto, uma obra messiânica. Neste relato, Jesus Se apresenta como a luz do mundo (v. 5; cf. Jo 8, 12), e o faz com a fórmula “Eu sou” [que também ouvimos no “Evangelho da Samaritana”], que assinala a Sua divindade, pois se serviu do nome de Deus (cf. Ex 3, 14). Na criação do mundo, Deus cria a luz e a separa das trevas. Na plenitude dos tempos (cf. Gl 4, 4), o Filho de Deus, o Verbo divino, veio habitar no meio de nós (cf. Jo 1, 14). Ele é o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo 14, 6), Ele é a luz do mundo, uma luz para a humanidade, que ilumina quem crê na Palavra feito homem, na palavra feita homem, na mensagem tornada vida no Filho visível, que dá a conhecer o Pai dos Céus, em Quem somos todos irmãos. E o cego miraculado, a exemplo de todos os que se aproxima de Jesus, se tornou filho da luz (v. 36).

Este milagre também nos ajuda a compreender a importância do Batismo. O cego não pediu a cura. Jesus tomou a iniciativa, assinalando a gratuidade de Deus. A liturgia batismal é uma iluminação, o Batismo era chamado na Igreja antiga como “iluminação”, e o cristão é um “iluminado”. O Batismo ilumina toda a pessoa: espírito e coração, sentimentos e conduta. Tal como no “Evangelho da Samaritana”, que ouvimos semana passada, notamos a presença da água na saliva de Jesus e, assim, a água batismal. Jesus fez lama com Sua saliva e com o barro da terra, e a colocou no olho do cego de nascença. Foi uma unção! Este gesto Jesus realizou outras vezes, noutros milagres (cf. Mc 7, 33; 8, 23). Trata-se da nova criação, pois a primeira criação fora feita do barro, também (cf. Gn 2). E como na primeira criação, quando Deus tocou o homem feito do barro da terra, Jesus tocou o cego, realizando a nova criação. O cego renasce e, aos poucos, vai conhecendo a Jesus, que o curou, até atingir a luz da fé, e dela dar testemunho. Jesus, que é a Palavra criadora de Deus, em Quem tudo foi feito e em Quem tudo se mantém (cf. Cl 1, 16-17), vivificou o barro da terra, e deu um novo olho ao cego de nascença. Este “novo olho”, e a consequente luz que ele passou a enxergar, representam a fé em Cristo. Trata-se da nova criação em Cristo, que faz com que sejamos novas criaturas, marcadas, não mais pelo pecado, mas pela graça de Deus. Basta deixa-se tocar por Jesus, o Filho de Deus, o nosso Salvador.

Perguntado pelos Seus discípulos, se a cegueira daquele homem era castigo de Deus por causa do pecado (v. 2), Jesus respondeu que era uma ocasião para nele se manifestar as obras de Deus (v. 3). Sempre se pensou – e até hoje se pensa – que todo mal e sofrimento é castigo de Deus pelo pecado. Deus não castiga, porque não quer a nossa perdição, mas a nossa vida, e o cego de nascença não foi castigado, mas agraciado com o dom de ver e com o dom de crer em Jesus. Curado de sua cegueira, este homem também recuperou a sua dignidade, pois não precisaria mais pedir esmolas…

Após ungir o cego com a lama, Jesus mandou-o homem lavar-se na piscina de Siloé, que existia próxima do Templo de Jerusalém, e que era usada pelos peregrinos se purificarem durante as peregrinações de preceito. O fato de Jesus mandar o cego lavar-se na piscina de Siloé significa uma puricação, na qual vemos o simbolismo do Batismo, que nos purifica dos nossos pecados. A palavra Siloé significa “enviado”, e remete para Jesus, o Messias, o enviado do Pai. Isto significa que quem é batizado – mergulhado – no “Enviado” alcança a luz da fé. Significa também que quem alcançou a luz de Cristo é enviado a iluminar com a sua vida o mundo que o circunda, como meditamos na 2ª. leitura.

Neste milagre, estão presentes os símbolos batismais da água, da luz, e da unção, que em grego significa “crisma”, donde deriva a palavra “Cristo-Messias”. E o diálogo travado entre Jesus e o homem que era cego lembra o interrogatório da celebração do Batismo. Assim, este homem que era cego de nascença experimentou um verdadeiro Batismo em Cristo, a nova criação: ele foi lavado dos seus pecados, recebeu a luz da fé, foi ungido em Cristo e, assim, associado à Igreja, ao Novo Povo de Deus, ao Povo sacerdotal.

É interessante notar neste trecho do Evangelho a evolução dos títulos de Jesus confessados pelo homem miraculado: primeiro, homem (v. 11), depois, Servo de Deus (v. 15), profeta (v. 17), Cristo-Messias (v. 22), homem de Deus (v. 33), e, por fim, Jesus se revela como o Filho do Homem (v. 35), e o miraculado o confessa como o Senhor, e se prostra em adoração (v. 38). A iluminação é progressiva. É sinal de que a fé cresceu neste homem miraculado por Jesus, e na fé foi fiel apesar das pressões, em contraste com o medo de seus pais (vv. 18-23) e da má vontade dos fariseus. No contexto batismal, neste trecho do Evangelho percebemos que o Batismo implica num caminho, o qual somos chamados a percorrer, tal qual o cego desta passagem do Evangelho. Este é o caminho traçado por Jesus na nossa história, e que por Jesus somos chamados a percorrer, caminho que nos realiza na vida presente, caminho que nos conduz à vida eterna.

Após o milagre, Jesus e aquele que era cego foram chamados de pecadores pelos fariseus, e expulsos da comunidade, porque o milagre foi realizado num sábado, o dia do repouso. Esta rejeição dos fariseus, bem sabemos, culminará na morte de Jesus. Jesus teria infligido a Lei e a vontade de Deus, e não reconheceram a misericórdia de Deus no milagre operado por Jesus por ter realizado a cura num sábado. Os fariseus, homens contemporâneos a Jesus, eram homens versados na Bíblia e na religião de Israel, mas eram cegos que não queriam ver, e cometeram o que Jesus chama, noutro contexto, o pecado contra o amor de Deus, o pecado contra o Espírito Santo (cf. Mc 3, 28ss; Mt 12, 31-32; Jo 12, 37; 15-22-24). No final da narrativa, os papeis são invertidos: o cego curado foi admitido à comunhão com Cristo e se tornou Seu discípulo, e os fariseus foram excluídos.

O trecho do Evangelho que ouvimos descreve algumas dificuldades que o homem que era cego teve por causa do seu encontro com Cristo, e por sua opção de n’Ele acreditar. Elas representam as dificuldades que o cristão deve enfrentar para professar a fé, de forma pessoal e profunda, e mostra que a salvação não acontece sem a nossa participação.

O milagre que hoje ouvimos faz parte de um elenco de “sinais” de Jesus, que S. João apresenta no seu Evangelho. Diante dos “sinais” de Jesus é necessário aderir a Ele, ou não. Ao final da narrativa, enquanto aquele que era cego fez a sua profissão de fé (v. 38), os fariseus chamam os dois de pecadores. Aqui o contraste fica mais evidente, entre aceitar ou não Jesus. Os fariseus creram na lei, o que era cego creu em Jesus. O fiel, que se coloca diante de Jesus, a “luz do mundo”, precisa decidir-se, se aceita Jesus como seu Senhor ou não, se aceita viver na luz, ou viver nas trevas, como ouvimos na 2ª. leitura.

O tema da “luz de Cristo” e da aceitação por parte do homem foi desdobrado na 2ª. leitura. S. Paulo quer o mostrar o contraste entre antes do Batismo e depois de sua recepção. Jesus quer que sejamos a “luz do mundo” e, portanto, que não sejamos a “luz das trevas”. No o Batismo fomos iluminados por Cristo ungidos pelo Seu Espírito. Por isso, S. Paulo disse [como ouvimos]: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz” (v. 8). Isto significa que quem foi batizado passou do mundo das trevas ao reino da luz. E continua S. Paulo: “E o fruto da luz se chama: bondade, justiça, verdade. Discerni o que agrada o Senhor” (vv. 9-10). Destas três virtudes – bondade, justiça, verdade – se desdobram as demais, com as quais se realizamos as obras da luz. Em nossas vidas não podem faltar a bondade, a justiça, e a verdade

A esta exortação, S. Paulo opõe às “obras das trevas” que “não levam a nada” (v. 11) e que, apesar da pretensão de fazê-las às escondidas, se tornarão manifestas pela luz de Cristo (vv. 12-13). Como ouvimos no Evangelho, Jesus nos arranca das trevas (vv. 4-5). Por fim, ouvimos: “Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e sobre ti Cristo resplandecerá” (v. 14). Este versículo foi, provavelmente, uma estrofe de um hino batismal. Viver nas trevas é como um sono. O Batismo nos proporciona despertar diante da luz de Cristo, despertar da morte provocada pelas trevas, para que o Cristo resplandeça sobre nós! Precisamos despertar do sono para não corrermos o risco de recairmos nas obras das trevas. Que Deus nos cure da cegueira, para realizarmos as obras da luz.

São Paulo recorda também que, além de optar pelas obras da luz e evitar as obras das trevas, estas, as obras das trevas devem ser também desmacaradas (v. 11), ou seja, devem ser também denunciadas, para que outros não incorram nos seus erros e pecados. Quem teve os olhos abertos pela luz de Cristo deve abrir os olhos dos outros, deve iluminar, pois onde não existe luz se estabelece o reino das trevas. Optar por Cristo e por Sua luz implica em se fazer o bem, evitar o mal, e com a força do Seu Espírito, desmacar e denunciar a maldade, para que o caminho, que juntos percorremos seja iluminado pela luz de Cristo e, assim, dissipar as trevas de nosso coração e de nossa sociedade.

Meus irmãos, a Quaresma já se aproxima de seu fim e de sua meta, e as alegrias pascais se aproximam, como nos assinala este “Domingo Laetare”, que hoje celebramos. Jesus é a luz do mundo, e a Sua luz dissipa as trevas dos nossos pecados, as trevas do nosso coração, as trevas de nossa convivência, as trevas do preconceito, as trevas de nossa sociedade. Jesus dissipa as trevas e, ao mesmo tempo, quer que sejamos a luz do mundo, a iluminar a nossa história, com obras de luz – bondade, justiça, verdade – como S. Paulo nos lembrou na 2ª. leitura. Quaresma é tempo de opção. É tempo de optar por Cristo, por Sua palavra, por Sua luz, pelo Seu Reino, pelo Seu caminho; é tempo, também, de deixar as trevas de nossos pecados. A Quaresma chega ao seu fim e as alegrias da Páscoa de Jesus se aproximam e, assim, renovaremos a nossa opção de fé dinate de Jesus Cristo, a luz do mundo, e renovaremos o compromisso de ser Suas testemunhas (cf. At 1, 8), na força do Seu Espírito, para ser sal da terra e luz do mundo, para a glória de Deus Pai (cf. Mt 5, 13-16).

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Por padre Ari Ribeiro – Doutor em Teologia, pároco da paróquia São Galvão, coordenador da catequese da Diocese de Santo Amaro (SP), membro da Equipe Regional do Ensino Religioso – Regional Sul 1 da CNBB.
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